Uma fábula plagiada de mil e uma narrativas

Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, ela encontrou-se em sua cama metamorfoseada em uma mariposa. Pôs-se a examinar as asas diante do espelho e nelas descobriu o desenho de dois grandes olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Embora asquerosos à primeira vista, lembrou-se de que essas coisas que parece não terem beleza nenhuma, às vezes, é por falta de um segundo olhar.

A despeito da nova forma, sentou-se à mesa e desfrutou de sua refeição matinal, madeleines com uma xícara de chá, depois sacou um relógio de bolso de seu colete, checou as horas e saiu apressada. Contudo, faltando o fôlego no meio do caminho, pousou em uma pedra para descansar — pois, sim, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho!

Notou então como à sua volta todos continuavam a caminhar em frenesi, com expressões de pura exaustão, e ela sentiu-se muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia. Agitando suas antenas, meditou: será que vivo por inteiro e será que isso basta? Nunca bastou e muito menos agora. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. A vida só é possível reinventada. É hora de embriagar-me. De vinho, de poesia ou de virtude.

E assim nasceu o Sebo Mariposa, um espaço onde todos podem pousar por um instante, embriagar-se de literatura e ser livres para viver quantas vidas forem possíveis.

 

Referências (na ordem em que aparecem no texto):

KAFKA, Franz. A metamorfose. (Tradução de Marcelo Backes)

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.

QUINTANA, Mário. As coisas.

PROUST, Marcel. No caminho de Swann.

CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. (Tradução de André Cristi)

ANDRADE, Carlos Drummond. No meio do caminho.

PLATH, Sylvia. A redoma de vidro. (Tradução de Chico Mattoso)

SZYMBORSKA, Wisława. Um grande número. (Tradução de Regina Przybycien)

LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem.

MEIRELES, Cecília. Reinvenção.

BAUDELAIRE, Charles. Embriagai-vos. (Tradução de Aurélio Buarque de Holanda)

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